FRAGMENTS DE MÉMOIRE • Ana Telles & Ensemble DME • CD com obras de C. Bochmann & J. S. Béreau

FRAGMENTS DE MÉMOIRE

 Ana Telles & Ensemble DME 

CD com obras de C. Bochmann & J. S. Béreau



|PT|

Christopher Bochmann e Jean-Sébastien Béreau escolheram Portugal como país de residência, o primeiro desde 1980, e o último a partir de 2005.
Aqui têm desenvolvido extensa actividade profissional e escrito música que muito prezo, à qual venho prestando o meu concurso o melhor que sei e posso. De facto, tenho dedicado muita da minha energia à música de autor do nosso tempo, com especial incidência sobre as obras de compositores portugueses ou residentes em Portugal. 
Nesse sentido, e perante a oportunidade particularmente grata de poder concretizar uma edição discográfica enquanto solista do Ensemble DME, pareceu-me adequado homenagear estes dois compositores, também eles associados ao Festival DME, nomeadamente por terem recebido desta organização encomendas de obras para piano e electrónica que foram escritas especificamente para mim, e que tive ou terei (em breve) o prazer de estrear.
Neste processo, contei com a preciosa colaboração de ambos os compositores, bem como da estimada e promissora soprano Lara Rainho, do grande clarinetista e amigo de longa data Luís Gomes, e do extraordinário compositor e impulsionador da “aventura DME” que é Jaime Reis. Espero que a escuta vos proporcione tanto prazer como a realização deste projecto me trouxe.

Ana Telles
Évora, 27/11/2019

Essay VIII (1991) para piano

Essay VIII é uma de um grupo de peças para instrumentos a solo - superficialmente algo semelhante ao grupo de Sequenzas de Luciano Berio. Os Essays tomam as características específicas do instrumento como ponto de partida para a composição. Não existe qualquer intenção consciente de explorar a totalidade das hipóteses, nem de escrever uma música virtuosística, embora isto muitas vezes venha a acontecer. Neste caso, são certos tipos de articulação, a exploração dos registos do instrumento, a resonância e os harmónicos que providenciam a matéria prima para a obra.

Essay VIII pode ser visto como tendo duas partes principais: uma de carácter violento e virtuosítico: outra mais calma e resonante.

A obra abre com um simples Dó# no registo central do instrumento – o registo mais usual e daí talvez o menos característico. Este núcleo prolifera de modo a resultar em sequências cada vez mais longas de articulações rápidas e ferozes, que chegam rapidamente a percorrer a totalidade do teclado. Segue-se uma secção que vai introduzindo, gradativamente, novos elementos de ressonância. Uma passagem veloz desenvolve as articulações rápidas do princípio à volta de um desenho recorrente da rearticulação do Dó# central. 

Num momento contrastante, a música passa à exploração mais detalhada da ressonância, introduzindo os harmónicos tirados do interior do piano. Nesta secção, o ouvinte afina-se apuradamente às subtilezas da ressonância do piano, o que o prepara para a passagem que segue, a qual utiliza quase exclusivamente o registo agudo do instrumento – uma espécie de melodia altamente ornamentada. Finalmente, um regresso ao Dó# inicial e alguns ecos de material musical já ouvido levam a música ao seu termo.


Four poems (2017) para voz e piano

Em 2016 fiquei fascinado por certos poemas do meu colega José Alberto Gomes Machado: eram curtos, sucintos e a propósito. Um tanto como o haiku japonês: soberbamente adaptados à colocação em música. Tendo utilizado um deles, sem o conhecimento do autor, contactei-o com o intuito de arranjar outros que pudessem completar um pequeno ciclo. Acabei por escolher três poemas em português e um em inglês – para formar uma obra poliglota, ideia especialmente atrativa para mim.

Os quatro poemas são peças individuais, mas planeei a obra para formarem uma sequência, tanto harmónica como ritmicamente, para não falar da dimensão estética. Estas peças deram-me a oportunidade de pôr em prática uma série de princípios que tinha desenvolvido ao longo dos anos no que diz respeito à colocação de textos em música, nomeadamente no tratamento silábico e melismático do texto, e ainda na utilização da escrita em estilo de recitativo. O grau de inteligibilidade torna-se muito importante na criação de forma e de equilíbrio. 

A obra foi originalmente concebida para barítono e piano. Eu pensava que a “transcrição” para soprano e piano iria criar-me problemas. Contudo, surpreendi-me a mim próprio pela simplicidade com que consegui fazer a adaptação: essa oportunidade deu-me uma compreensão especial do funcionamento da minha própria linguagem musical!


Dialogue IV – Flights of fancy (2015)

Dialogue IV é a quarta numa série de obras para dois instrumentos de famílias diferentes, iniciada em 1980, nas quais cada instrumento tem secções relativamente extensas de solos ou escrita quase-solista. Dialogue I é para flauta e percussão; Dialogue II para violoncelo e piano; Dialogue III para violino e fagote. A música alterna claramente entre momentos em que um ou outro dos instrumentos tem o discurso principal... e assim se cria o verdadeiro diálogo. 

Para além deste princípio geral, Dialogue IV tem a particularidade de ser, em muitos sentidos, um palíndromo, no qual nove secções se organizam em forma de espelho à volta de uma (quinta) secção central, que tem um caráter algo mais livre de cadência. 

Há duas secções (secções 4 e 6) em forma de cânone, cujo caráter é mais cerebral. As secções 3 e 7 são aquelas em que os dois instrumentos tocam mais em forma de duo. As secções 2 e 8 são mais melódicas, utilizando quartos de tom no clarinete. A primeira e última secções são gestos de abertura e de fecho, em que as funções instrumentais contêm algum elemento de espelho. 


Fragments de memóire* - Jean-Sébastien Béreau

Fragments de mémoire é um pouco como um “diário de bordo” ou, melhor ainda, como Navegação de Cabotagem, de Jorge Amado... São memórias muito presentes dos colegas – amigos muito queridos – Claude Lefèbvre, Paul Méfano e Bruce Mather. Momentos intensos, apresentados sem qualquer preocupação cronológica. 
É, sobretudo, uma evocação daqueles que tanto contaram para o autor, Madeleine e Darius Milhaud. 
Há também o apego à canção popular, ao canto gregoriano, ao toque dos sinos e, acima de tudo, à voz amada...
Esta obra, encomenda do Festival DME - Dias de Música Electroacústica, não poderia existir sem a preciosa colaboração do compositor Jaime Reis, no que respeita à realização da componente electrónica, e a cumplicidade da pianista Ana Telles. Beneficiou igualmente do apoio da fábrica Chocalhos Pardalinho, sediada em Alcáçovas.

* Modiano, P. (2012). L’Herbe des Nuits. Paris: Gallimard
|EN|


Christopher Bochmann and Jean-Sébastien Béreau have chosen to live in Portugal since 1980 and 2005, respectively. Here, they have developed extensive professional activity and written music that I deeply admire and often play, to the best of my abilities. In fact, I have dedicated much effort to the music of our time, particularly by composers of Portuguese birth or those living in Portugal.
Therefore, given the fortunate opportunity to record a CD as a DME soloist, I deemed it pertinent to pay homage to both of these composers who, by the way, are also associated to the DME Festival, having been commissioned by this organization to write works for piano and electronics specifically for me, which I played or shall premiere soon.
In this process, I have counted on the precious collaboration of the composers themselves, as well as of the esteemed and talented young soprano Lara Rainho, the great clarinetist and long-time friend Luís Gomes, and the extraordinary composer and DME founder Jaime Reis. I hope your listening experience will be as pleasant as has been the process of my own work in the realization of this project.
Ana Telles Évora, 27/11/2019


Essay VIII (1991) for piano Essay VIII is one of a group of pieces for solo instruments (superficially rather like Luciano Berio's Sequenzas) that take the instruments' characteristics as a starting point for composition. There is no conscious intention of exploring all possibilities, nor of writing in a virtuoso way, although this often happens as a result. In this case, certain types of articulation, register exploration, resonance and harmonics provide the raw material for the work. Essay VIII can be divided into two basic parts: one violent and virtuosic; the other calm and resonant.
A sharp contrast produces a closer exploration of resonance and introduces the harmonics drawn from inside the piano. During this section, the ear becomes finely attuned to the subtleties of piano resonance preparing itself for the following passage which uses, almost exclusively, the high register of the instrument - a sort of highly ornamented melody. Finally, a return to the initial C#, together with a few echoes of previous material, bring the work to a close.
The work opens with a single C# in the middle register of the instrument - the most common and therefore perhaps the least characteristic register. This nucleus proliferates into ever longer sequences of ferocious rapid articulations which soon cover the whole keyboard. There follows a section that gradually introduces new elements of resonance. A fast passage develops the rapid articulations of the beginning around an ever-recurring rearticulated C#. Four poems (2017) for voice and piano - C. Bochmann In 2016, I became fascinated by certain poems by my colleague José Alberto Gomes Machado: they were short, concise and to the point. Rather like a Japanese haiku; immensely suited to musical setting. Having set one of these, without his knowing, I contacted him to find a few others that could form a short cycle. I ended up by choosing three poems in Portuguese and one in English – a polyglot solution that particularly attracted me.
Dialogue IV is the fourth in a series of works for two instruments of different families, begun in 1980, in which each instrument has fairly extensive sections of solo or almost solo writing. Dialogue I is for flute and percussion; Dialogue II for cello and piano; Dialogue III for violin and bassoon. The music alternates clearly between moments in which one or other of the instruments has the principal argument….and so a real dialogue ensues.
The Four poems are individual pieces and yet are clearly planned as a sequence, both harmonically and rhythmically, not to mention aesthetically. These pieces gave me the opportunity to put into practice a number of principles that I have developed over the years regarding the setting of texts in music, especially regarding syllabic or melismatic setting, as well as the use of recitative-type music. The degree of intelligibility becomes very important in the creation of form and balance. The work was originally conceived for baritone and piano. I thought that a “transcription” for soprano and piano would create problems. However, I surprised myself by the simplicity with which I managed to make the change: it was an eye-opener to understanding my own musical language! Dialogue IV – FLIGHTS OF FANCY (2015) - C. Bochmann Apart from this general principle, Dialogue IV has the particular characteristic of being to a certain extent a palindrome, in which nine sections are arranged mirror-fashion around a central (fifth) section that is cadenza-like in character. There are two canons (sections 4 and 6) whose structure is fundamentally more cerebral. Sections 3 and 7 are the moments in which the instruments play more together as a duo. Sections 2 and 8 are more melodic, using quarter tones in the clarinet. The first and last sections are opening and closing gestures that mirror the instrumental functions.


Fragments de memóire - Jean-Sébastien Béreau

Fragments de mémoire is somewhat like a logbook, or rather like Coasting, by Jorge Amado. A collection of very present memories, from classmates – and very good friends – Claude Lefèbvre, Paul Méfano and Bruce Mather. A record of intense moments, presented with no regard to chronological order… It is, above all, an evocation of Madeleine and Darius Milhaud, whose influence upon the author is inestimable.
There is also the charm of popular song, Gregorian chant, bells and, above all, the beloved voice…

This work, commissioned by the DME – Dias de Música Electrocaústica Festival, wouldn’t exist without the precious collaboration of the composer Jaime Reis, in what concerns the realization of its electronic component, and the complicity of pianist Ana Telles. It also benefited from the support of Chocalhos Pardalinho, a commercial enterprise located in Alcáçovas, Portugal.





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