Ensemble DME — Vortex Temporum, geometrias do inelidível
Ilya Prigogine
Analogamente a outros movimentos artísticos, a música erudita do início do século XX emerge carregada de inevitáveis ruturas que se coadunam com um momento histórico carregado de clivagens sociais, históricas, económicas, políticas, i.a.
As voluptuosas texturas na música de Debussy, as contundentes figurações rítmicas de Stravinsky e o perfeccionismo geométrico de Anton Webern constituem paradigmas da modernidade que Paul Griffiths analisa meticulosamente (Griffiths, 1987).
Desde a segunda metade do século XX que podemos provar da fonte de uma renovação que parece não se esgotar. (...) O domínio do tempo foi desafiado pela mestria dos que dominam a arte que nele assente e que dele não pode sair. (...) O presente concerto não pretende abarcar as variáveis da escuta temporal, mas propor uma reflexão sobre algumas das mais marcantes e significativas abordagens deste terreno potencialmente inóspito a quem o experiência sem compreender que dele brota a raiz da essência musical. (...) Berio e Eco exploraram interdependências músico-literárias (Eco, 1989), John Cage desafiava a profundidade da escuta num contraponto concertante com o rigor exploratório de Pierre Boulez (Nattiez, 1993), a música electrónica elidia as fronteiras conhecidas entre nota e ritmo, entre som e ruído, entre harmonia e timbre (Stockhausen, 1963, 1998), notavelmente em KONTATKE, obra também apresentada pelo FESTIVAL DME no Cine-Teatro Avenida, em 2018. (...) Foi este espírito de pioneirismo que influenciaria as gerações seguintes, que são já hoje as referências desta prática musical, notavelmente, Gérard Grisey e Brian Ferneyhough, a par de outros como Helmut Lachenmann, Wolfgang Rihm, os portugueses Jorge Peixinho e Emmanuel Nunes, e tantos outros que continuaram a desbravar caminho e já são história num território que bem penetra o século XXI em pleno vigor, repleto de inovações.
Excerto de texto inédito de Jaime Reis (2020)
O Ensemble DME convida o seu público a um desafio inédito num concerto com concisas explicações sobre as explorações no domínio temporal, com obras dos do século XXI de Daniel Moreira, Paulo Ferreira-Lopes e Jaime Reis, e obras basilares do século XX, dos incontornáveis Brian Ferneyhough, Elliott Carter e Gérard Grisey.
Bibliografia:
Eco, U. (1989). Obra Aberta. Lisboa: DIFEL Difusão Editorial, Lda.
Griffiths, P. (1987). A Música Moderna, Uma história concisa e ilustrada de Debussy a Boulez. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor Ltda.
Nattiez, J.-J. (Ed.). (1993). The Boulez-Cage Correspondence. Cambridge: Cambridge University Press.
Stockhausen, K. (1963). Die Einheit der musikalischen Zeit. In Band 1 - Texte zur elektronischen und instrumentalen Musik (pp. 211–221). Cologne: Verlag M. DuMont Schauberg.
Stockhausen, K. (1998). The Concept of Unity in Electronic Music. In O. Strunk (Ed.), Source Readings in Music History, The Twentieth Century (pp. 96–100). New York: W. W. Norton & Company, Inc.
Programa:
Daniel Moreira (Portugal, 1983) - Noctis Lumina (2007)
Para viola
Elliott Carter (EUA, 1908-2012) - Esprit rude/esprit doux (1985)
Para flauta e clarinete
Jaime Reis (Portugal, 1983) - Sangue Inverso: Obsidiana (2017)
Para flauta, clarinete e piano
Paulo Ferreira Lopes (Portugal, 1964) - Purity I (2014)
Para flauta, clarinete, piano, violino, violoncelo e electrónica
Intervalo
Brian Ferneyhough (Inglaterra, 1943) - Cassandra’s Dream Song (1970)
Para flauta
Jaime Reis (Portugal, 1983) - Inverso Sangue: Cinábrio (2017)
Para violino, viola, e violoncelo
Gérard Grisey (França, 1946-1998) - Vortex Temporum I e II (1994-96)
Para flauta, clarinete, piano, violino, viola e violoncelo
Ficha Artística:
Pedro Pinto Figueiredo, direção musical
Mafalda Carvalho, flauta
Carlos Silva, clarinete
Ana Telles, piano
Ludovic Afonso, violino
Ana Monteverde, violeta
Ângela Carneiro, violoncelo
Mariana Vieira, informática musical
Aqui fica um registo fotográfico do concerto:
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